Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é Lei Federal no Brasil
O termo acessibilidade tem sido alvo de debates, seminários e muitas discussões. A Câmara Municipal de Uberlândia aprovou um projeto de lei do vereador Delfino Rodrigues que institui o Certificado de Acessibilidade, a ser concedido pela Câmara Municipal a empresas que adotem medidas diferenciadas de acesso a pessoas com deficiência.
É comum associar acessibilidade às pessoas com deficiência visual ou motora, mas há também a deficiência intelectual, auditiva, entre outras. Pensar em acessibilidade é pensar na sociedade como um todo, sem barreiras e sem discriminação. Acessibilidade é lei, direito de todos.
E por falar em acessibilidade o nosso entrevistado da semana é Marco Antônio de Queiroz, 53 anos, mais conhecido por MAQ. Natural do Rio de Janeiro possui algumas características que, como ele mesmo diz, não são comuns à maioria das pessoas. MAQ é cego, transplantado renal e do pâncreas. Depois de trabalhar 23 anos, como técnico em informática, numa empresa nacional, atualmente está aposentado e dedica seu tempo, entre outras coisas, na construção de sites acessíveis.
Além da área de informática, Marco Antônio estudou história, psicologia e foi conselheiro de Álcool e Drogas. Seu site, http://www.bengalalegal.com é totalmente acessível e lá você vai encontrar muitas curiosidades como, por exemplo, vídeos com áudio descrição, uma das lutas das pessoas com deficiência visual.
AÇÕES INFOCO: Como você explica a acessibilidade?
MAQ: O termo acessibilidade começou a ser utilizado nos anos 70 por um grupo de estudantes tetraplégicos da cidade de Berkeley, na Califórnia, que resolveu agir contra a prática da “caridade” utilizada na época nos Estados Unidos e resultou na criação do “Movimento de Vida Independente”. A luta destes estudantes começou quando ao entrarem na universidade se depararam com uma enorme escadaria para terem acesso às salas de aulas. A solução encontrada pela direção era que os estudantes seriam carregados até as salas de aula. Eles não queriam ser carregados e com isso a “solução” serviu de ponto de partida para a busca dos direitos das pessoas com deficiência.
Acessibilidade é ter acesso a “tudo” independente de “tudo”, como por exemplo: Ao construírem uma calçada, se for colocado os sinais para os cegos e rampas para as pessoas com deficiência motora esta passagem irá atrapalhar o acesso de alguém sem deficiência? Sendo assim é simples de entender. Outro exemplo prático é a colocação de uma rampa junto à escada. O beneficio não será apenas para o cego ou “cadeirante” e sim para todos. A mulher grávida, por exemplo, ao descer uma escada corre um grande risco de cair por não enxergar os pés. A rampa facilita para o idoso, para a criança, a mãe com carrinho de bebês, enfim, todos saem beneficiados com a acessibilidade.
A acessibilidade no Brasil é lei, está na Constituição Federal. Aliás, esta foi uma enorme conquista. Em julho de 2008 o Brasil ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Mais de 80 países ratificaram, mas o Brasil foi o único país que transformou os termos da convenção em lei nacional.
Mas as ações continuam, pois há muito que conquistar. A lei existe, mas precisa ser cumprida, entretanto estamos caminhando. A nossa luta agora é fazer valer o direito de transmissão com áudio descrição, duas horas por dia, nos canais de televisão. De acordo com a lei, na fase de implantação da proposta, todas as TVs em cidades com mais de um milhão de habitantes, durante duas horas por dia, tem que ter áudio descrição. Após o 2º ano, passaria para 3h por dia a todas as cidades com mais de 800 habitantes. A idéia é que após 10 anos toda a programação em todas as cidades terá áudio descrição.
AÇÕES INFOCO: Antes de perder a visão você pensava na acessibilidade para todos?
MAQ: Não, eu nunca havia pensado. Eu não sabia nada do que sei agora. Mas hoje, além de pensar na acessibilidade e conhecer as leis, os direitos da pessoa com deficiência, também tenho idéia de como pensa a sociedade de maneira geral. Desde que fiquei cego, aos 21 anos, em conseqüência da diabetes, passei a conviver com pessoas com todo o tipo de deficiência. Sendo assim, falo de todas as deficiências e nós, pessoas com deficiência, somos invisíveis à sociedade.
Existem milhares de pessoas com deficiência no Brasil, segundo dados do censo de 2000, cerca de 24,5 milhões de pessoas, entretanto quase não são vistas nas ruas. Para MAQ isso ocorre por uma questão simples, não se sabe se quem nasceu primeiro se foi o ovo ou a galinha, neste caso é a mesma coisa: Se os lugares são inacessíveis não aparecemos em público, e se não aparecemos, para que torná-los acessíveis?
Mas estamos aparecendo cada vez mais, inclusive através de personagens nos filmes e novelas. Entretanto a maioria das vezes não reflete as nossas dificuldades. Dificilmente mostram a realidade da pessoa com deficiência como, por exemplo, o dia-a-dia, a ida à faculdade, o que uma pessoa com deficiência realmente enfrenta, como lidam com as atividades de vida diária. “Falta um pouco mais de realidade”.
AÇÕES INFOCO: Qual a sua opinião sobre as cotas para pessoas com deficiência?
MAQ: Eu sou totalmente a favor das cotas. Quando fiquei cego, em 1978, a lei de cotas não existia. Em 81, comecei a trabalhar em uma empresa nacional e era um privilegiado, um dos únicos no Brasil a trabalhar numa empresa de grande porte, somando 100 no total do Brasil. Depois que saiu a lei de cotas, em 90, eu não conheço cego, que queira trabalhar, desempregado aqui no Rio.
Há empresas que empregam por obrigação e não aproveitam o potencial da pessoa com deficiência. Contratam e as deixam num canto sem função alguma e a lei não pune este tipo de atitude, mas também cabe ao funcionário com deficiência lutar e mostrar o seu potencial e que pode ser realmente útil para a empresa. No meu ponto de vista, a lei de cotas insere a pessoa com deficiência no mercado de trabalho, o que não significa que está fazendo inclusão. Inclusão é quando a empresa se prepara e considera a pessoa com deficiência como mais um empregado e que pode ter qualidades iguais a todos. Ele pode ser superior ou mais fraco. O que não pode é deixar ele sem fazer nada. A lei de cotas está servindo para ingressar na marra as pessoas com deficiência no mercado de trabalho e serve para mostrar que estas pessoas não são o “bicho papão” que pensavam que fossem.
AÇÕES INFOCO: E por falar em inclusão, qual a sua opinião sobre educação inclusiva?
MAQ: Uma escola é inclusiva quando além de ingressar pessoas com deficiência lhes dêem condições de aprendizagem. É necessário que estas escolas estejam amparadas com profissionais capacitados e especializados para trabalharem com as pessoas com deficiência, como por exemplo, Libras. Fala-se de inclusão escolar, mas a maioria das escolas não tem um profissional que entenda a língua de sinais, e este é um pequeno exemplo, pois é necessário que as escolas estejam totalmente acessíveis e aparadas de recursos humanos e materiais.
Mas a inclusão está começando a existir. Claro que ainda há uma resistência, afinal nunca houve preparo aos professores, e a educação especial já foi rejeitada um dia. E não ocorre só na educação. Na saúde, por exemplo, quando um tetraplégico tem de fazer uma consulta, é a maior confusão com inúmeros profissionais, com medo que o organismo da pessoa com deficiência seja diferente. Como se um tetraplégico não tivesse todos os órgãos que todos nós temos. Tem dentista que tem medo de tratar uma pessoa cega, por exemplo.
Penso que a inclusão tem que ser antes de tudo “atitudinal. Na cabeça de toda a sociedade existe muita exclusão das pessoas com deficiência. Cinemas não são acessíveis, teatros, escolas, prédios públicos e a própria casa de amigos. Há uma grande diferença entre integração e inclusão. A integração parte da pessoa com deficiência, ela corre atrás do que precisa, e a inclusão parte da sociedade e as duas têm que vir juntas.
AÇÕES INFOCO: Como você descreve um site acessível
MAQ: “Um site acessível deve ser atraente visualmente para todos e elaborado nos padrões internacionais da Web. Há duas coisa que são necessárias associar: padrões Web Standards (conjunto de recomendações destinado a orientar para o uso de práticas que possibilitem a criação de uma Web acessível a todos) e a estética.
Acessibilidade digital é quando o conteúdo está acessível a diversas pessoas independente de suas necessidades ou equipamentos utilizados para ter acesso ao mesmo. Hoje em dia 5% dos sites são acessíveis e a acessibilidade digital, assim como em geral é lei que não vem sendo cumprida.
AÇÕES INFOCO: Qual sua opinião sobre os certificados de acessibilidade?
MAQ: É um incentivo muito legal, embora a maioria dos certificados não sejam totalmente verdadeiros. Por exemplo, um determinado estabelecimento recebe um certificado por ter feito uma rampa, mas o banheiro não é acessível; ganha um selo por ter feito um banheiro acessível, mas entre as mesas não há espaço para uma cadeira. Os certificados devem ser dados com responsabilidade e divulgados, pois serve de “chamariz” para a pessoa com deficiência, que com certeza vão dar a preferência para os espaços que possuem o certificado. Para construir ou adaptar espaços realmente acessíveis é só consultar a Associação Brasileira de Normas Técnicas. É importante não esquecer que acessibilidade é lei.
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