segunda-feira, 28 de março de 2011

Entrevista com o Psiquiatra Osvaldo Cardoso - Palestrante do Seminário sobre Políticas Públicas para Dependência Química

OSVALDO CARDOSO
Foto: Welton Neves
      1-        
BPD: Na sua opinião, quais são, hoje, as alternativas ou modelos que melhor atendem um dependente de álcool e droga e sua família?
O:     Bom, eu acredito que o modelo é o modelo CAPs, que é o que a gente preconiza que vai garantir direitos a saúde e sobretudo os direitos humanos do usuário. Um bom CAPs vai dar suporte para a família, que tem que suportar esse sujeito, vai ter que articular o judiciário. Porque também não dá para você lutar contra o uso de drogas se você também não estiver articulado com o judiciário, a polícia e outros elementos. O que a gente acredita é o CAPs, mas o CAPs sozinho não dá conta, ele precisa ser repensado, redimensionado. Por enquanto é o CAPs o melhor modelo, e a gente acredita nele, exatamente porque trouxe essas vantagens de garantir direitos a saúde e ao mesmo tempo garantir o direito de cidadão, direitos democráticos do indivíduo.

2-       
BPD: O senhor trabalha com o modelo de psicoterapia institucional. O que vem a ser este modelo? Ele tem dado soluções satisfatórias?
O:      Sim, o modelo da psicoterapia institucional ele parte do princípio de que todo sujeito sabe o que é bom para ele, e que todo sujeito tem sim uma parte que adoece e uma parte que quer se cuidar. Ele tem, portanto, duas partes. A Psicoterapia Institucional parte do princípio que a gente pode potencializar o lado cuidador do indivíduo para que ele evite que o lado adoecido prevaleça. A Psicoterapia Institucional parte do princípio de que eu posso construir coisas para “eu ajudar a me cuidar”, ao invés de somente alguém me dizer como eu tenho que fazer para comigo mesmo.   

3-       
BPD:  O senhor vê a política de redução de danos, orientação do Ministério Público da Saúde, como um caminho viável e satisfatório para tratar o dependente químico?
O:      Sim, ela é satisfatória. O problema é que ela não tem recebido de fato os incentivos que deveria, então fica fácil “atirar pedras” porque ele foi mal construído. É como a progressão continuada na Educação de São Paulo, se você não dá infra-estrutura para que elas aprendam você só está jogando o problema para frente. A progressão continuada ainda tem investimentos muito grandes a serem feitos, que não estão sendo feitos, desta forma, fica fácil criticar. Com a Redução de Danos é a mesma questão, a Redução de Danos não é só dar agulha para o sujeito e dizer: “use à vontade”. Não, [a Redução de Danos] é o que eu ofereço para ele lidar com a angústia, que outros elementos na cidade eu vou trazer para que as crianças não aprendam que lidar com a angústia é usar alguma coisa de fora. E isso é investimento público, é investimento em saúde, em escola, centros comunitários, investimentos sociais. É o poder andar pela cidade, tranqüilo. Enfim, a Redução de Danos é um pedaço da Política, ela não é a Política. A Política é outra, a política é investimento público em serviços públicos. Não é isso que a gente está vendo, que vai reduzindo os gastos públicos com a ilusão de que o terceirizado vai ser melhor. Isso não é assim.
         
4-       
BPD:  Na sua opinião, as Políticas Públicas no país tem avançado no sentido de buscar uma solução para a questão de Dependência Química?
O:     A lentos passos, porque investimentos para políticas de álcool, drogas e dependência química não se faz só na saúde, ela é muito maior, é isso que a gente estava dizendo. É uma cidade mais agradável de viver em que as pessoas tenham espaço onde possam lidar com a angústia delas e conversar sobre essa angústia, ou ter espaços de encontros, poder usar a cidade. Hoje a gente vive em uma cidade e não pode mais usar a cidade. Essa questão das cidades, cada vez mais vem valorizando que a cidade aumente de tamanho e não de que elas tenham potência para oferecer qualidade de vida para quem mora nela. Ficamos mais preocupados com o número de habitantes do em dar qualidade para este número que aí está. “Ah não, nós temos 800 mil ou 600 mil habitantes?”. Pouco importa, o que tem que ser visto é que se temos 600 mil, que estes 600 mil tenham acesso à qualidade e se temos 800 mil que os 800 tenham acesso a qualidade. Porque se for 600 ou 800 com qualidade é muito bom. Se for 600 com qualidade e 200 está sobrando, nós precisamos pensar o que nós estamos construindo.       

5-       
BPD: Para finalizar, dentro dessa perspectiva da cidadania o dependente químico é visto de outra forma. Até pouco tempo o dependente era tratado como bandido, até mesmo pelos próprios funcionários públicos. Ainda hoje a sociedade civil demonstra preconceitos e desconhecimento em relação ao tema, o que acaba afastando este dependente químico da sociedade. Qual seria a forma mais eficaz de lidar, não só com o dependente químico e sua família, mas também com toda a sociedade?
O:     Eu acho que conversando, deixando muito claro qual é a posição de cada um. As pessoas poderem, elas mesmas, irem tirando suas próprias conclusões. Por exemplo, se o Caetano[Veloso] que é a favor da liberação, e se ele usa[droga] e tem toda essa produção, isso serve como referencial de que se pode usar droga, mas não necessariamente virar uma droga. Agora, se eu tenho por outro lado um cara que se droga e a vida dele vira uma droga, aí bom, isto é uma droga. Ou seja, se vai ficando mais livre, se as pessoas puderem falar exatamente o que são, sem serem reprimidas, as pessoas vão definir o que é melhor pra elas e vão pagar o preço dessas definições. Meu pai nunca disse pra eu não usar droga, eu uso ou não uso de acordo com a minha cabeça, “cigarro tinha em casa, bebida tinha em casa, mas usa se quiser”. Isso é muito interessante de pensar, as pessoas vão vendo modelos, e elas vão escolher que modelos elas querem. Isso para tudo, a gente tem visto isto no movimento LGBT. Uma das questões do movimento é que as pessoas possam dizer o que são. Porque? Porque daí a gente vai poder ver que tem gente que presta e gente que não presta, como qualquer universo. Desta forma, as pessoas vão poder escolher de uma forma mais tranqüila o que querem para si no mundo e não o outro vai determinar. Mas é lógico que tudo tem uma responsabilidade, se droga é ilegal e eu estou comprando, eu estou alimentando o crime. Isto precisa ficar claro! Tem uma indústria, inclusive com a polícia envolvida, a gente sabe. Nós estamos pagando este preço? Vale a pena este preço? Ou nós temos outro preço para fazer, o outro preço é investir no que a gente estava dizendo, mas aí é uma escolha.           

Um comentário:

Velharia disse...

Um admirável trabalho, muito bem feito. Todos que estão no feitio do Blog estão de parabens.

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